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Este trabalho tem como intenção dar a conhecer alguns dos lugares de inclusão/exclusão social com que se deparam os indivíduos surdos ao longo dos seus percursos de vida. São analisados os lugares do corpo, da identidade e da cidadania, com relevância para este último, uma vez que o artigo se debruça em especial sobre o percurso escolar dos entrevistados. É dada a voz aos próprios sujeitos, através de testemunhos biográficos. Embora, nas últimas décadas, se tenha vindo a registar um reconhecimento gradual dos direitos dos surdos por parte do Estado, quer nos discursos quer na legislação produzida, verifica-se que em termos reais, as mudanças ocorridas continuam a ser pouco significativas.
A publicação deste texto surge com o intuito de prestar homenagem a um dos entrevistados, Carlos Ferreira, já ausente. Este jovem fez questão de ser identificado na altura, considerando que desse modo o seu testemunho teria mais impacto junto dos pares e mesmo junto da sociedade ouvinte.
O trabalho em foco centrou-se na análise dos vários espaços estruturais em que se move o indivíduo surdo, nomeadamente o espaço da família, o espaço da escola e o espaço mais alargado da comunidade em geral. A autora inspirou-se na obra publicada em 2004, por Stephen Stoer, António Magalhães e David Rodrigues, Os Lugares da Exclusão Social: Um Dispositivo de Diferenciação Pedagógica. Nesse livro, os autores atribuem ao corpo, ao trabalho, à identidade, à cidadania e ao território a designação de “lugares”.
Considerou-se que, o lugar do corpo deveria ser o ponto de partida, porque foi devido ao facto de não ouvirem que os surdos criaram uma linguagem gestual, em alternativa à verbal. É através da defesa do uso da língua gestual, quer para comunicar, quer para aceder a serviços sociais como a educação e o trabalho, que o indivíduo surdo se assume na sua diferença. O artigo, dá especial ênfase ao lugar da cidadania, através da análise do percurso escolar de um entrevistado e da reflexão sobre os diferentes modelos educativos existentes para os alunos surdos. As dificuldades sentidas no ensino superior são também contempladas, bem como as expectativas destes jovens em termos profissionais. As questões do corpo, da identidade e da cidadania estão interligadas e por isso surgem naturalmente quando são abordadas as problemáticas relacionadas com a surdez.
Cabe, então, a cada professor a realização de atividades que estimulem a inter-relação dos alunos surdos e alunos ouvintes que frequentam a mesma sala de aula bem como o desenvolvimento de práticas pedagógicas que garantam o ensino-aprendizagem de todas as crianças. O objetivo, será sempre, possibilitar a melhor educação possível às crianças surdas, considerando a diferença linguística instaurada em sala de aula promovendo uma escola pública que garanta a universalidade do acesso, a igualdade das oportunidades e a continuidade dos percursos escolares.
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Escolhemos este artigo porque é um fato que as questões que envolvem a educação de surdos têm sido objeto de discussão ao longo dos tempos e, porque frequentemente nos deparamos com posições pouco fundamentadas pedagogicamente quanto a estes alunos.
A educação de surdos foi no passado e continua a ser no presente um desafio das políticas educacionais, que defendem a educação inclusiva e, portanto, a matrícula das crianças surdas em escolas regulares de ensino. Desta forma, este artigo chama a atenção para a necessidade do desenvolvimento de metodologias de ensino que viabilizem a implantação de práticas inclusivas bilíngues, processo, este, nada fácil de ser implementado.
O artigo permite-nos refletir sobre algumas das barreiras com que se deparam os surdos ao longo dos seus percursos escolares e o reflexo que isso tem em termos de expectativas profissionais.
Enquanto profissionais, pais ou como qualquer outro cidadão é importante tentar compreender que tipo de sentimentos e pontos de vista experimentam estes alunos, a partir da sua voz e experiência, pois serão os melhores informadores acerca dos seus mundos e vivências. O artigo permite-nos, assim, compreender como estes indivíduos interpretam o mundo bem como os seus processos de autoconstrução.
É importante não esquecer que a integração plena da criança surda passa forçosamente pela garantia de convívio num espaço onde esta possa assumir sem receio a sua surdez, onde possa expressar-se da maneira que mais a satisfaça, mantendo situações estimulantes de comunicação e de aprendizagem. A escola não deverá ser, por isso, um espaço onde o aluno surdo tenha de prescindir da sua identidade bem como da sua língua.
Este estudo, fomenta, desta forma, uma atitude reflexiva e crítica por parte de todos aqueles que contactam com crianças/adultos surdos uma vez que, situações de exclusão social continuam a ser uma realidade para muitos surdos. Consideramos, no entanto, que a surdez não tem que se constituir necessariamente como uma barreira ou como um problema.